Movimento, dualidade, e ambiance aliados à lembrança, nostalgia e memória, tudo envolvido numa linha contínua de som. A artista manifesta a sua veia artística através daquilo que percebemos ser uma peculiar relação com o som e as suas várias formas de existir.
Ana Guedes pertence ao típico artísta explorador de materiais, são estes artistas que, não só nos querem passar uma mensagem, mas também toda um experiência física e sensorial.
Como artista multidisciplinar, as exposições de Ana Guedes podem incluir performance, video ou instalações, todas elas vão representar situações, ou mesmo objetos, que a artista explorou e ajustou de forma a transmitir uma mensagem, são os diferentes materiais que nos vão dar um recado, por vezes poderá ser um episódio da sua infância, outras vezes uma reflexão pessoal ou até alguma questão social por responder.
Maioritariamente trabalha com o som, sendo este o foco central dos seus trabalhos, é o som que Ana Guedes mais explora e molda, é através deste que a artista nos faz envolver no ambiente, estimulando toda uma nostalgia necessária para dar vida às suas obras. Imaginemos uma sala vazia que vai sendo preenchida, não com coisas mas com som, som este que vai sendo moldado e alterado pelos materiais que a artista escolhe fazer interagir.
A ideia de movimento circular, de dar a volta, de uma continuidade ambígua em que o dualismo físico é resolvido numa correspondência de polaridades, constantemente reversível, reflecte-se no projecto de Guedes, no qual a história individual da artista e da sua família, que se mudou de Portugal para Angola e para o Canadá e depois regressou, está profundamente interligada com a história comum de um país que conheceu o colonialismo, em que os sentimentos de estar em casa e ser-se estranho podem coexistir, como dois lados inseparáveis da mesma moeda que rodopia no ar. (Texto em Revista Contemporanea.pt | por Sara De Chiara)
No seu portfólio encontramos seis temas, todos eles representam uma intervenção significativa ligada a uma reflexão; por exemplo, o explorar o som de um instrumento musical moribundo – projeto Entropia; uma tradução de 1977 do programa espacial dos Estados Unidos da América – projeto Voyager; o explorar da distorção do som (entre outras coisas) – projeto Threnody.
“A sua investigação está centrada nos “dialetos da sintonização” dentro dos quais investiga os fios da memória com a intenção de recriar instâncias que evocam a presença através de interpretações subjetivas da capacidade de instrumentalizar objetos que se tornam catalisadores do pensamento e contemplação.” (texto em ana-guedes.com)
Seja qual for o tema ou o material, uma coisa é certa, no seu final, nada é feito ao acaso, nada fica a mais na sala com a consequência de mudar o som/performance/instalação ou o próprio ambiente que a artista escolhe apresentar. E para os mais curiosos, aqui fica um pequeno apanhado de alguns dos temas da artista que mais nos apanharam o olho.
THRENODY da serie de Diários de Karl Marx, 2016
Threnody, define-se do grego como o som da lamentação para os mortos, e Ana Guedes trás-nos a lamentação em forma de um pedestal que segura o corpo de uma mosca morta, esse pedestal está ligado a um mecanismo musical onde o tempo foi como se atrasado, alongado, o som e o movimento que resultam desta experiência resultam num tom assombrado e incrivelmente calmante. Esta é a obra que eleva a função de uma simples caixa de música a um outro nível.
Também da serie Threnody em 2015, a artista trás-nos nostalgia, história e valor emocional acrescentado à instalação de som, esta exposição define-se como sendo a justaposição de dissonâncias de forma a criar um processo que cresce para questionar uma resolução para a sua própria existência.
Na instalação encontramos microfones de contacto que capturam os sons, e colunas que alimentam a vibração das mesas, todos eles são formas de contacto entre os elementos da exposição – os objetos dialogam uns com os outros.


Untitled Records, 2016
Nesta exposição a artista mostra-nos uma seleção de discos de vinil que representam um pedaço da sua própria história. Foram escolhidos para a exposição discos comprados pelo seu pai em Angola, Portugal e Canadá desde os anos 60 até aos anos 80. São estes testemunhas passivas do seu movimento e influências ao longo do tempo.
Biografia:
Ana Guedes, nasceu em 1981 em Braga, Portugal, vive e trabalha na Holanda.
Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian em 2015-2016 no programa MAR – Master of Artistic Research no Royal Conservatoire Den Haag e da Royal Academy of Art, Den Haag, Holanda.
Destacam-se as exposições e performances: em 2017 – Untitled Records, Ondertussen Space, Stroom Den Haag, Holanda; em 2016 – Untitled Records, Playground Festival, Leuven, Belgium; Klank2 – Negen Geluidssculpturen, DeFabriek, Eindhoven, Holanda; The ongoing conversation #3, Galeria 1646, Den Haag, Holanda; em 2015 – I want sometimething with a house in – Vrije Academie Gemak, Den Haag, Holanda; em 2014 – Voyager#01, co-production ar_search+Teatro do Frio, Festival InSONORA, MNCARS – Museu Reyna Sophia, Madrid, Espanha.
Ana Guedes foi também uma das finalistas nos prémios da Fundação EDP em 2017.
Fontes do artigo: