Coletor por natureza, João Leonardo é o artista que transforma os objetos mais banais e em fim de vida (e pouco cheirosos) em obras de reflexão histórica, emocional e humana, conseguindo retratar de formas incríveis nos seus trabalhos, o vício, compulsão e a decadência humana.
O seu trabalho divide-se em duas categorias: video e objeto, sendo que o artista em nada é tímido na diversidade de materiais que usa para dar vida às suas ideias, vai desde o video, escultura pintura às instalações, João Leonardo não se limita.
O seu trabalho tem bastante de abstrato na forma como usa, manipula e apresenta os materiais, isto porque muito do seu trabalho é inspirado na arte minimalista, arte conceptual e arte povera, e claro, na sua própria existência.
Coleciona de tudo um pouco, mesmo que não tenha um objetivo ou intenção imediata. Pelas ruas que visita apanha não só as suas famosas beatas de cigarros que têm andando em exposição nos últimos anos, mas também luvas perdidas sem par, chuchas de crianças, caixas de tabaco e até o próprio esperma, com este artista nada é desperdiçado!
O porquê das suas coleções aleatórias vem depois com o realizar do seu trabalho. João Leonardo tem um processo de investigação que depois liga à emoção, história e diversão que o próprio objeto lhe traz, como ele mesmo diz em entrevista:
“Existe algo sobre a memória em tudo isto. É uma tentativa de preservar as coisas e é algo entranhado em mim. Não esquecer! É importante para mim, porque é o mesmo que acontece com a história. Como diz a citação “Aqueles que esquecem a história, são os que estão condenados a repetir os mesmo erros”. Estudei história e fiquei fascinado. Como diz outra citação: “Estuda o passado se queres compreender o presente”.
Sobre a sua inspiração, o artista conta que na sua secretária tem dois catálogos que vê e lê com alguma frequência: Roth Time, on Dieter Roth e The Problem Perspective on Martin Kippenberger. Estes dois artistas são uma inspiração para João Leonardo pela sua história com alcoolismo e egocentrismo. Estes são dois artistas muito centrados neles mesmos e que refletem a sua vida pessoal nas suas obras, João Leonardo interessa-se por estudar e compreender este processo de divisão e de junção das duas coisas tendo em conta a representação final dos seus trabalhos.
“…Agindo como um recoletor do seu próprio desperdício, tornando-o sintomático de circunstâncias biográficas e emocionais ou gerando com ele imagens paradoxais.”
João Leonardo gosta de trabalhar com a memória dos objetos, sobre o controlo social, sobre a identidade humana e sobre as próprias políticas e controlo do corpo. Interessa-se pela história das coisas assim como um biógrafo se interessa pelo histórico de uma pessoa, vê nos objetos (e fluídos) que coleciona, mais do que um pedaço de nada utilizado e perdido, vê algo importante a ser preservado, visto, refletido, de outra forma não poderíamos perceber ou lembrar a importância do que temos hoje e sobre o que podemos errar amanhã.
“O que me atrai nestes pequenos objetos é a sua humildade. Também gosto da sua simplicidade, a sua sujidade, e a sua própria história. Cada uma das beatas colecionadas foi fumada por alguém e cada uma delas tem traços de ADN dessa pessoa. Um cigarro é uma máquina altamente sofisticada criada para entregar uma dose de nicotina a quem o fumar. Portanto eu gosto do seu potencial metafórico.
Gosto do facto que mesmo que a beata esteja toda torcida, suja e a cheirar mal, algures no passado esteve direita, tocou nos lábios de alguém, esteve dentro do seu corpo, foi chupada. Portanto existe, quase, uma intimidade sexual com este cigarro que durou alguns minutos. Depois, o objeto que tanto prazer deu acaba, e deitamo-lo fora. Vejo aqui um paralelo com outras ideias, desde o conceito abstrato de consumo até uma ideia romântica de amor e amizade que acaba. Um caso amoroso que só durou alguns minutos.”
Sobre o artista:
João Leonardo (Odemira, Portugal, 1974). Vive e trabalha em Lisboa e Malmö. Licenciado em História de Arte na Universidade Nova de Lisboa, 1996, completa o Programa de Mestrado em Belas Artes na Malmö Art Academy da Lund University em 2009.
Foi artista residente na International Künstlerhaus Villa Concordia (Bamberg, 2010-2011) e vencedor do Prémio EDP Novos Artistas (2005). Expõe regularmente desde 2002.
Entre as suas exposições individuais recentes devem referir-se Europa: Polar Shift no Museu de Portimão; Flying High, Falling Low na Galeria 111, em Lisboa e Porto; Breathe in, breathe out, Galeria Mors Mössa em Gotembourgo e Seven Seconds, Martin Bryder Gallery, Lund, Suécia.
Pode ainda destacar-se a participação em exposições colectivas recentes como Fazer sentido, Casa da Cerca, Almada (curadoria de Emília Ferreira); Estranhos dias recentes de um tempo menos feliz, Atelier-Museu Julio Pomar (curadoria de Hugo Diniz); P. – Uma homenagem a Paulo Cunha e Silva, por extenso, Galeria Municipal do Porto (curadoria de Miguel von Hafe Pérez); Um horizonte de proximidades: uma topologia a partir da colecção António Cachola, Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, São Miguel (curadoria de Sergio Mah).
A sua obra encontra-se representada nas colecções Manuel de Brito, António Cachola, Fundação EDP, Museu de Arte do Rio (Brasil) e Danfoss Art Foundation (Nordborg, Dinamarca).
Fontes:
Entrevista por Lisa Hauke e Maria Wüstenhagen
Imagens: