Room or Loom no Sismógrafo

Ana Gonçalves e Sofia Magalhães apresentam Room or Loom na Galeria Sismógrafo, no Porto, desde 9 de setembro até 7 de outubro de 2017.

Pour bien

[clareira de um bosque. o rei segura o veado por uma haste. Sente-se ainda o bafo quente do animal. o sangue, de ambos, mistura-se com a erva e a terra. ouve-se a folhagem das árvores a respirar. de resto, esse silêncio do entardecer. a memória da batalha e os olhos fixos no focinho.]

joão I [em pensamento]: o teu corpo ainda resiste. vou ficar aqui contigo até que chegue a noite e as estrelas. espero, se necessário for, pelos primeiros raios de sol. não farei de ti um troféu. os cães já se aproximam e o meu temorcresce.

[ainda distante, o acuar dos canídeos faz sentir a sua presença. o rei coloca um joelho no chão. respira fundo e repete, uma vez mais, os versos há muito memorizados: “Mais, pois nom vem nem envia/ mandad’, é mort’ou mentia.” guardava aquele poema junto ao peito por baixo das sete camadas do loudel, que o protegiam quer da áspera armadura, quer dos sentimentos dos homens.]

joão I [uma das mãos a apertar inconscientemente a erva, enquanto a outra buscava o manuscrito por si copiado e colocado perto do coração. estaria morta? mentiu-lhe?]: não quero ser transformado em veado, ouves, meu deus? sei-me filho ilegítimo, contudo, aclamado pelo povo, tornei-me rei. cumpri as promessas por ter vencido a batalha. doei o loudel. consagrei-o à virgem. se necessário volto a repetir o gesto. e faço coser o poema no tecido manchado pelo sangue: o meu e o do animal, agora para sempre unidos.

[artémis sorria. o pânico atravessava o corpo do rei. sentia que joão estava nas suas mãos. o rei tinha visto o que não era suposto ver. e por isso lhe fizera uma promessa, que o tinha arrastado até à clareira. o desejo tinha triunfado sobre a prudência. a cena era agora iluminada pelo luar.]

joão I: já não oiço os cães. [deita-se no chão e aproxima o seu corpo do do animal. ainda respira. ainda respiram. despe a armadura que abandona junto ao capacete. apalpa a sua ferida. tinha estancado.] tenho de perpetuar a memória deste encontro. por que razão ninguém me procura? este bosque é um labirinto. [acaricia o pêlo do veado]. a terra está húmida. sinto fome… e sede…

[a deusa divertia-se com aquela figura: o homem e o seu duplo. havia mandado calar os cães, que, silenciosos, se mantinham na borda do bosque, à espera do sinal de artémis. o coagulado sangue sublinhava aquele instante congelado no tempo. rei e veado em sonho unidos: “Porque, enfim, nada basta/ contra o terrível fim da noite eterna (…)”]

joão I: vejo-o agora, espelhado nesta poça, meu rosto é agora focinho e na minha cabeça ostento duas esplendorosas hastes. deixo o destino nas cogitações da fortuna. junto-me aos meus irmãos. entrego-me às mãos de quem me sabe moldar, tecer, e assim, febril, me perpetuo. o meu loudel puído, a minha taça quebrada.

Óscar Faria


As Artistas:

Sofia Magalhães vive e trabalha em Lisboa.
Em 2004 iniciou a sua formação em cerâmica no ar.co.(centro de arte e comunicação) dando continuidade em Florença e campo da Toscana com vários escultores e ceramistas.
Fundou o atelier Caulino onde desenvolveu uma dupla actividade como ceramista/artista e professora. Apresentou o seu trabalho em lojas e ateliês no Porto e em Lisboa.
Participou como actriz no filme “Constança” (no papel de Constança) do realizador José Castro e colaborou em  vídeos e projectos do mesmo autor.
Em 2011 é seleccionada para o prémio de ilustração Jovens Criadores com a dupla Com Amoras(juntamente com Margarida Fernandes), sendo esse trabalho apresentado mais tarde no festival de cinema de Roterdão e na Filandia na Napa Galery. Ainda com a dupla Com Amoras, realiza o filme de animação “Na rua do açúcar” com estreia no Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas (FIMFA).
Em 2013 apresenta o seu trabalho “Retratos” no Arquivo Fotográfico de Lisboa.
Actualmente dirige e trabalha no atelier patio do tejolo, tendo realizado a apresentação Halloo de Tomás Penny no Museu Geologico de Lisboa.

Ana Gonçalves nasceu em Lisboa em 1957. Vive e trabalha em Lisboa. Formação no atelier de Gisella Santi de 1976 a 1984 em artes e técnicas têxteis. Licenciou-se em Antropologia Cultural pela Universidade Nova de Lisboa, em 1995, com tese final sobre simbolismo nos têxteis timorenses. Mestre em Estudos Curatoriais pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em 2009, com tese final sobre “Lugares e Campos Visuais”. Professora de Arte e Design Têxtil na Escola António Arroio desde 1981.
Participou em várias exposições colectivas e nos Simpósios de Tapeçaria Contemporânea de 1991 e 1993. De 1977 a 1993 trabalhou na concepção e produção de tecidos para interiores e confecção. Em 1993-2000 colaborou com designer Helena Cardoso e com os escultores Ângela Ferreira e Sérgio Taborda, e com os designers Manuela Gonçalves, Helena Cardoso, Filipe Faísca e Filipe Meirelles.

Estagiou na Tradetex, Matosinhos, na área do desenho têxtil assistido por computador. Em 2003/04 coordenou o Projeto Rotas Têxteis – Património e culturas locais. Pesquisas e levantamento. Fez exposições individuais em Lisboa na Associação Cultural Manobras, no Museu do Traje, na Escola António Arroio e no Clube 50, Associação Cultural. Participação na Contextile, Guimarães – Arte Têxtil Contemporânea – 2012, 2014, 2016. Entre 2006 e 2008 participou na pesquisa e concepção do Projecto Curatorial “A Festa Acabou”, no Bairro da Quinta da Vitória com a participação dos moradores. Construção do Mapa Têxtil do Bairro.

Em 2012-2014 frequentou os ateliers de Desenho sob orientação de Manuel Costa Cabral e Bartolomeu Costa Cabral. Formadora em Artes Tradicionais e Etnografia Portuguesa de grupos de minorias em áreas suburbanas e rurais em Portugal. Em 2014-2015 participou no Projeto de Rumo do fumo/Vera Mantero: “Uma Horta em cada Esquina”. Participação no documentário sobre este projeto. Trabalho têxtil sobre Arte e Zen – Pesquisa e execução. Contextos da Arte Contemporânea – Curso de Formação – Trabalho final sobre  Names Projet, Aids Memorial Quilt em 2014. Em 2014-2017 colaborou com artistas Maria José Oliveira, Marlene Dias, Saulo Araújo e Fernanda Fragateiro – trabalho de atelier; colaboração em exposições, execução de peças.

 


Informações úteis: sismografo

Galeria Sismógrafo

 

Horário:

De quinta a sábado, das 15h às 19h

 

Morada:

Praça dos Poveiros 56, salas 1&2 4000-393 Porto

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