A visita ao 22º Programa Expositivo do Carpe Diem

Inaugurou em setembro a nova exposição no centro de arte contemporânea Carpe Diem no Bairro Alto. Aqui estão a expor seis artistas com resultado da residência no palácio de Pombal cujas obras transbordaram até o jardim.

Logo antes de entrarmos, às portas do Carpe Diem, somos arrebatados pela confusão e claustrofobia dos transeuntes que espreitam para a roulote estacionada diretamente à porta. Começa aqui o novo programa expositivo do Carpe Diem, com a roulote de Inês Teles. A ideia é a do próprio visitante fazer parte da viagem do projeto para o qual somos convidados a entrar na roulote e transformar o seu interior, passando assim a fazer parte da obra para quem passa lá fora e olha para a roulote, da mesma forma como olhamos para uma pintura na parede. Dentro da roulote as paredes estão escuras e foram deixados uns canudos fluorescentes para construirmos a nossa obra de arte.

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Folha de sala

Decompor a pintura.

A partir da interpretação do espaço da Roulote, que articula a ideia de viagem e itinerância com a interação de novos públicos, o projeto pretende envolver a comunidade na vivência de uma obra site-specific.

Quando a Roulote tem as portas abertas, podemos entrar e ver a sobreposição de cores nas paredes, no tecto, no chão e cantos. O espaço que nos cerca é o interior da pintura e quem passa lá fora o observador. Podemos transformar a pintura, alterando-lhe os elementos. Quem na rua e nos observa, vê uma performance. Se ninguém se envolver com o espaço, transforma-se numa instalação. No entanto, o observador, que vê de fora o espaço fechado, visualiza uma pintura. Ele compreende, a partir de um ponto de observação, formas sobre um fundo, numa composição suspensa.


A primeira sala de exposição, logo após a loja dos múltiplos, é dedicada à fotografia de Margarida Correia. A artista, filha de emigrantes açorianos, vive na California onde começou o projeto fotográfico sobre a comunidades portuguesas da área. Nas fotografias que escolheu apresentar no Carpe Diem podemos encontrar algumas peculiaridades da vida dos emigrantes portugueses nesta terra distante.

Começando pela imortalização da religião, materializada em estatuetas de Fátima; depois um mar de fotografias pela casa em que a parede deixa de ter espaço para existir; na parede ao lado, um conjunto de intemporais hábitos e sabores vindos da terra natal. Passei por cinco fotografias que são quase como um jogo onde misturam culturas com saudade e tradição, reflexo da perspetiva da artista.

Folha de sala

Tony Brazil, Sausalito, California é parte de um trabalho fotográfico mais vasto sobre as comunidades portuguesas nos Estados Unidos da America. O projeto presentemente estende-se também por Harford (Connecticut), New Bedford (Massachusetts) e Nova Iorque, retratando o passado e o presente de algumas destas comunidades.

Filho de emigrantes açoreanos, Tony nasceu em Sausalito e cresceu num rancho em Muir Woods, na California, que é hoje um parque natural. Actualmente vive numa quinta em Petaluma, CA.


Na sala seguinte muda o ambiente, a luz e o peso do ar. As telas são escuras e ocupam uma grande parte das paredes, são as pinturas de Adriana Molder. O Jardim dos Ossos (confesso que não foi o título que saltou a mente quando entrei) foi erguido em torno de uma imagem da obra de Ana Mendieta, e promete explorar as manchas e feridas ligadas às emoções sentidas pelo corpo.

Há algo a que não escapamos, somos puxamos para o tema central de cada tela, o contraste das cores, os vermelhos intensos, não deixam fugir a atenção. As cores funcionam como um íman da nossa atenção, e antes de deixarmos a sala, passamos a fazer parte desta espécie de cortejo carnavalesco (como sugere a própria descrição da exposição).

Folha de sala

Jardim dos ossos

Uma série de cinco pinturas de grandes dimensões construídas à volta duma imagem de uma obra de Ana Mendieta. São cinco retratos, numa fantasia sobre a morte, um encontro de cinco personagens que está próximo dum cortejo carnavalesco e bizarro. As pinturas são em acrílico sobre tela, e a entrada de pequenas e grandes manchas de cor sobre o fundo negro, sugerem feridas coloridas ou manchas ligadas às emoções sentidas pelo nosso corpo.

“Uma mulher cai da varanda abaixo atirada por um homem.

Estendida na borda do passeio, com os ossos quebrados e o corpo ensanguentado, a morta vê as suas feridas como pequenos adornos coloridos. Um homem de cartola convida-a a entrar no jardim dos ossos. É ai que ela vê uma máscara de ferro que prende o rosto duma mulher e também um homem azul que parece fumar. Há ainda mais uma memória, mas que ela não consegue de todo situar.”


Ao chegar à terceira sala somos recebidos pela luz do jardim, uma sala completamente iluminada para representar as 4 pinturas de Isabel Simões. Aproveitem para apreciar a ironia, pois a artista apresenta como tema a luz (deduz-se artificial pelo contexto do tema), que ‘baralha mais do que clarifica quem não tem medo do escuro’, numa sala onde a luz faz a sua sombra sobre as obras da artista.

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NONSENSE um sinal dos tempos em que a luz baralha mais do que clarifica quem não tem medo do escuro.


As últimas duas salas dão lugar a duas esculturas de Sofia Leitão. As peças, um aglomerado de pérolas artificiais, ametistas e outras pedras pretendem criar ambiguidade sobre a linha ténue entre o natural e o artificial.

O objetivo é a ‘meta-morfose’, hibridismo, duplicidade e irregularidade, e o resultado são duas espécies de bustos brilhantes e radiantes de cor onde, confesso, apetece deslizar a mão.

Folha de sala

As peças aqui apresentadas recuam a um tempo em que o conceito de grotesco foi forjado, e se relacionava sobretudo com as ruínas subterrâneas e misteriosas descobertas em Roma (Grotto) e menos com o sentido que hoje se atribui vulgarmente.

Nas Grotto, esbate-se a fronteira muito ténue entre o natural e artificial, ao criar-se a ilusão que a gruta é natural, e os elementos nela contidos, nesse jogo de ilusões, partilham a mesma lógica. Da mesma forma, as esculturas aqui apresentadas têm em comum a mesma ambiguidade entre artificial e natural através dos materiais utilizados, neste caso pérolas artificiais, ametistas, entre outros.

Os elementos que estão na génese do grotesco, explorados através destas esculturas, são a meta-morfose, hibridismo, duplicidade, irregularidade.

O contexto destas peças está em sintonia com o espaço do Carpe Diem, que sendo um palácio Barroco, com o seu gosto pelo extraordinário e o fantasioso, poderá conter ou ter contido elementos decorativos dentro de um imaginário grotesco, muito difundidos nesse período.


Mas a exposição não fica por aqui, ainda dei um pulinho ao jardim para visitar a instalação de Beatrice Caracciolo. O mais óbvio e visível, a ponte, literal e metafórica, que representa a interseção entre a humanidade e a natureza, instalada por cima da fonte do Carpe Diem. Caracciolo considera os seus trabalhos como sendo obras do acaso, da sua ligação com a natureza e pretende assim, com instalações e pinturas representar os quatro elementos – terra, água, fogo e ar.

Folha de Sala

Inspira-se na arte, arquitectura, literatura, história e natureza. Beatrice Caracciolo (Itália, 1955) afirma poeticamente que o seu trabalho é sobre a capacidade da artista “se surpreender e a dádiva do acaso”.

Ela alimenta suas respostas ao poder inspirador dos elementos e da criação e destruição humana em impressões fotográficas, desenhos, colagens e trabalhos em papel de mix-media expressivos e semi abstractos, bem como instalações e esculturas cruas e elegantes. O seu fascínio com a intersecção entre a humanidade e a natureza estão na génese de boa parte da sua produção.

Numa série de várias partes, dedicada aos quatro elementos, por exemplo, Caracciolo transmite as qualidades visuais e físicas especificas da terra, água, ar e fogo – e as suas ressonâncias culturais e históricas únicas – através de uma série de pinturas, desenhos, fotografias manipuladas e peças baseadas em texto. Caracciolo transformou, também, uma escadaria numa cascata através da instalação de centenas de pedaços de metal desgastado.

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